sábado, abril 27, 2024

Julianna Gerais: sororidade e racismo

O mercado audiovisual brasileiro, infelizmente, ainda é um terreno de poucas oportunidades para mulheres pretas. Na carreira de atriz, papéis estereotipados e monotemático entram em cena e limitam o desenvolvimento completo na dramaturgia.

Para falar um pouco sobre isso e também sobre sororidade, batemos um papo com Julianna Gerais, atriz paulistana de 22 anos que é formada em Artes Cênicas pela Escola Superior de Artes Célia Helena. Julianna, que é bastante engajada em causas sociais, é uma das protagonistas da série “Todxs Nós” (HBO). Na obra ela é Maia, uma jovem programadora engajada na militância feminista.

Com previsão para estreia no segundo semestre de 2020, a atriz também participa de “Dentes”, filme de Pedro Arantes e Júlio Taubkin.

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Julianna Gerais: sororidade e racismo

JornaldamodA – O que você acha da representatividade?

Julianna – É muito importante que pessoas negras, ao ligarem a TV ou verem uma propaganda, por exemplo, se sintam representadas por outras pessoas negras que estão ali na posição de destaque. É  importante que se ‘naturalize a negritude’.

Falar em ‘naturalizar a negritude’ é bizarro, visto que estamos no Brasil, um país onde mais da metade da população é negra, porém o nosso referencial de sucesso e beleza ainda é o branco – o sucesso branco, a beleza branca.

JornaldamodA – Estamos vivendo um momento de tensão social, relacionado ao racismo. Como é a sua luta diária contra este tipo de crime que ainda é tão comum no Brasil?

Julianna – Tenho pensado bastante a respeito da forma que luto, sobre o que está ao meu alcance e lidando com um sentimento que, quando converso com pessoas próximas, parece um sentimento comum: revolta e impotência.

Ao que diz respeito do que consigo fazer no momento, ainda mais no contexto isolamento social, busco me estofar com leituras, com conhecimento, ouvindo pensadores e pensadoras sobre o assunto e ouvir as experiências de outras pessoas pretas.

Acredito que precisamos falar sobre, expor as mais minúsculas e sutis formas de racismo e não “passar pano” para nenhuma atitude ou fala racista, por menor que pareça. Busco, como atriz e mulher preta, refletir isso nos meus trabalhos. Falar sobre o assunto em mídias e consumir conteúdo e produto de outras pessoas pretas é importante, pois acredito muito na potência de criarmos nossa rede de apoio, fazendo com que seja possível estarmos em lugares que outrora não ocupávamos.

JornaldamodA – Você já sofreu racismo no ambiente de trabalho?

Julianna – Comecei a minha carreira num momento em que as discussões sobre negritude e racismo estavam/estão em alta e as pessoas no meio artístico e audiovisual estão mais atentas.

No meio audiovisual, por ser um ambiente majoritariamente masculino, teve muitos mais episódios de machismo, com mansplaining e manterrupting.

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JornaldamodA – Como mulheres brancas podem ajudar as mulheres pretas no combate ao racismo e contra um machismo ainda mais cruel quando recortamos por raça?

Julianna – O primeiro passo é entender que se como mulheres somos oprimidas por uma sociedade machista e patriarcal, como mulheres negras somos oprimidas por uma sociedade machista, patriarcal e racista.

O recorte racial é muito importante para que dentro do próprio movimento feminista as mulheres pretas não sejam oprimidas, por exemplo. Os abismos e as diferenças sociais que existem são gigantes quando falamos de oportunidade de trabalho, de opressões estéticas, relações amorosas, violências ou abusos.

Além de combater os racismos diários e não deixar passar, mulheres brancas também ajudam na luta quando param de achar que o tema negritude diz respeito somente à mulheres negras e nós, mulheres negras, é que temos que dar conta do assunto. É um assunto que diz respeito principalmente às pessoas brancas.

Falamos tanto de sororidade, mas essa sororidade e empatia tem que ser para além de nossas bolhas. Ela também diz respeito a relação de patroas com empregadas domésticas e diaristas, por exemplo, que é uma relação que além de trazer uma herança escravocrata, muitas vezes se dá de forma abusiva e nada empática. É importante ouvir as experiências e demanda de outras mulheres em diferentes situações e contextos.

JornaldamodA – O que você acha da sororidade?

Julianna – Abandonar a rivalidade e buscar ter empatia pela outra é fundamental. Penso que somando nossas lutas, nossas demandas, nossas histórias e criando uma rede de apoio, com escuta e sensibilidade junto a outras mulheres, conseguimos nos manter mais fortes e vivas.

Acho importante entendermos as diferentes demandas de cada mulher (mulheres pretas, mulheres lésbicas e bissexuais, mulheres trans…) dentro do próprio movimento e sempre exercitar a empatia e o apoio umas às outras.

JornaldamodA – Poderia citar mulheres que você admira?

Julianna – Ana Flávia Cavalcanti, Alice Marcone e Thays Berbe são mulheres pretas que admiro muito pelo trabalho de atuação, roteiro ou direção e por quem são na vida – seus posicionamentos e falas.

Luedji Luna, Xênia França, Larinu são mulheres que estão na cena musical brasileira e que têm produções dignas de playlist. Também são mulheres com posicionamentos que me inspiram e pensamentos que compartilho. Vale muito a pena conhecer o trabalho de cada uma delas.

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Luísa Sonza – uma conversa sobre sororidade e feminismo

Resenha – #sororidade – quando a mulher ajuda a mulher

Fotos: Instagram @juliannagerais.

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